Em abril de 1955, uma tragédia aconteceu em Catulé, clareira
localizada na Fazenda São João da Mata, no município de Malacacheta, Minas
Gerais.
Um grupo de trabalhadores recém-convertidos à Igreja Adventista da
Promessa, sacrificou quatro crianças, as quais acreditavam estarem possuídas
pelo demônio, matou alguns de seus cães e gatos e ainda teve dois de seus
integrantes mortos pelos soldados que foram prender os “fanáticos”.
Dez famílias, ao todo 44 pessoas, habitavam o Catulé,
mantendo entre si vínculos de amizade, parentesco ou relações de compadrio e
trabalhavam como meeiros, tendo que dividir a produção obtida com o proprietário
das terras cultivadas.
Vivendo em condições extremamente difíceis, os moradores
daquele local passam a enfrentar uma disputa de liderança entre Manoel, que
vivia ali há três anos, era casado e fazia a mediação entre os trabalhadores e
o dono da fazenda e Joaquim e Onofre, jovens solteiros que haviam se
alfabetizado em Presidente Prudente e retornado à região após se converterem ao
Adventismo da Promessa.
Os dois jovens tornaram-se líderes religiosos em Catulé e
pregavam a vinda próxima de Cristo e a necessidade de se prepararem para esse
momento. Impondo costumes rígidos e valendo-se do fato de que eram os únicos
alfabetizados e, portanto, capazes de ler a bíblia, Joaquim e Onofre passam a
conduzir os cultos e praticar ações para expulsar o demônio o qual diziam estar
presente em Catulé.
No domingo de Páscoa de 1955, dois soldados foram até o
local chamados para combater os fanáticos-religiosos. Chegando lá, encontraram
Joaquim e Onofre comandando um grande número de homens, mulheres e crianças, todos
nus, banhando-se em uma cacimba de lama para livrarem-se de seus pecados e
alcançarem a Cidade Celeste de Canaã.
Os episódios de fanatismo religioso e violência que
antecederam a esse fato tiveram início na terça-feira, quando Joaquim espancou
Maria dos Anjos “para expulsar Satanás”.
Algum tempo depois, um pedaço de
rapadura apareceu misteriosamente no terreiro da casa dos fiéis da igreja
Adventista da Promessa, fato que foi atribuído à presença de Satanás naquele
local. Após sair da rapadura, disseram que ele havia entrado em Eva, a qual
também foi espancada para se livrar da possessão. E assim, sucessivamente,
segundo Joaquim, o demônio ia passando de pessoas para animais e todos eram
agredidos para que se pudesse combatê-lo.
As jovens Conceição e Artuliana, alçadas ao posto de
profetisas, apontavam quem estava “com o diabo no corpo” – crianças, adultos,
animais e objetos – e os espancamento eram realizados para “afastar Satanás”,
cuja presença indicava um estado de impureza e um obstáculo para alcançar
Canaã.
Daquela terça-feira, 5 de abril de 1955, momento em que
anunciaram a presença do demônio em Catulé, até o domingo de Páscoa em que
chegaram os soldados, houve uma sucessão de acusações, agressões, assassinatos
e manifestações de sacrifícios e purificações, todas visando combater o demônio
e alcançar a Cidade Celeste de Canaã.
O saldo dessa “histeria coletiva” foi a
morte de cães e gatos, o sacrifício de quatro crianças, o espancamento de
vários moradores do local, especialmente da família de Manoel, que não havia se
convertido ao adventismo e, por fim, a execução de Joaquim e Onofre pelos
soldados enviados para prenderem os fanáticos.
Antes de morrer, Joaquim afirmara que queria morrer com a
palavra de Deus na boca, assim, um dos moradores arrancou duas páginas da
bíblia e colocou uma na boca de Joaquim e outra na boca de Onofre, já morto.
Joaquim pediu água, engoliu a página e, em seguida, morreu.
Amplamente estudado por Carlo Castaldi, em seu ensaio “O demônio de Catulé”, esse episódio foi transformado no texto teatral “Vereda da Salvação”, escrito por Jorge de Andrade, em 1963, posteriormente, transformado em filme por Anselmo Duarte, em 1965, e revela como uma situação de miséria, isolamento e falta de acesso à educação formal, aliada ao fanatismo religioso, geram um ambiente propício para situações de extrema violência em nome da fé e da busca de um paraíso celeste.
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