Memórias do Rio Itabapoana - 4


Um dos diplomas legais mais afinados com os ensinamentos da ecologia é o Decreto Federal nº. 750, de 10 de fevereiro de 1993. Ele toma por base o Mapa de Vegetação do Brasil, IBGE/IBDF (1988), e insere a mata atlântica, com suas especificidades, num contexto maior denominado Domínio Atlântico, do qual fazem parte a floresta ombrófila densa atlântica, a floresta ombrófila mista, a floresta ombrófila aberta, a floresta estacional semidecidual, a floresta estacional decidual, as formações vegetais nativas de restinga, os campos de altitude, os brejos interioranos, os encraves florestais nordestinos e os manguezais. Assim como não se pode conceber a floresta ombrófila densa atlântica, comumente chamada de mata atlântica, desvinculada de seu contexto, não se pode também conceber um manguezal desarticulado de outros ecossistemas, sejam eles ecossistemas terrestres, ecossistemas aquáticos continentais e ecossistemas marinhos. 



O manguezal, em parte da costa nordeste e sul e em toda a costa sudeste, tem, em sua retaguarda, o Domínio Atlântico. Na Amazônia, há outro bioma a alimentá-lo. O mesmo se pode afirmar para os manguezais de outros continentes. Como estamos tratando do manguezal do Rio Itabapoana, não podemos prescindir dos ecossistemas que lhe dão suporte. Os que margeavam o rio Itabapoana eram a vegetação nativa de restinga de Marobá ou das Neves, pela esquerda, e a floresta estacional semidecidual em ambas as margens e em sua retaguarda. Os naturalistas que melhor descreveram esta formação florestal, no vale do Itabapoana, foram Maximilano de Wied-Neuwied e Auguste de Saint-Hilaire, ambos reforçados pelo barão suíço Johann Jakob von Tschudi. Ao cruzar esta floresta, vindo de Campos em direção ao Espírito Santo e à Bahia, em 1815, Maximiliano ficou fortemente impressionado pela escura e imponente marta virgem, com suas belas plantas e sua fauna. 

Após atravessar a densa floresta, o príncipe divisou "um quadro encantador da majestosa solidão, às margens do Itabapoana, que, como uma fita de prata, vai coleando entre as selvas umbrosas, e corta a planície verdejante." Pouco mais à montante, Freyreiss e Sellow, dois grandes naturalistas alemães que acompanhavam a comitiva do príncipe, encontraram um bando de lontras caçando nas águas fluviais sem se importarem com a presença dos humanos. Por estarem em atividade durante o dia, talvez fossem ariranhas, espécie extinta regionalmente, e não lontras, ainda encontradas. Também a voz possante do macaco roncador e roufenha do sauí-açu foram ouvidas na selva luxuriante.



Esse artigo conta com as imagens da bela Cachoeira da Fumaça localizada no distrito de Calheiros de Bom Jesus do Itabapoana. Acervo fotográfico de Marilene Campos
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Arthur Soffiati 
Doutor em História Ambiental e pesquisador da Universidade Federal Fluminense.


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Memórias do Rio Itabapoana - 1

Memórias do Rio Itabapoana - 2

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