País: Muito pouco ainda se sabe sobre o real conteúdo da greve dos caminhoneiros

Observações e questionamentos proliferam no campo da disputa política, há algo de obscuro rondando esse movimento


O jornalista Cid Benjamin sempre atento faz uma abordagem inquietante:

1) No Brasil, apenas 30% do transporte de cargas é feito por trabalhadores autônomos. O restante (70%) é feito por grandes empresas que, ou transportam diretamente a carga, ou subcontratam pequenas e médias empresas para esse trabalho. Assim, essa greve não é só de trabalhadores autônomos. Longe disso.

2) A greve de trabalhadores é um direito, isso não se discute. Mas será um direito irrestrito e ilimitado para qualquer categoria profissional? Penso que não. Dou um exemplo extremo e exagerado, só para efeito de argumentação. Uma greve de trabalhadores pode, por exemplo, interromper o fornecimento de água à população? 

Parece evidente que não. Ninguém defenderia o contrário. Mas o exemplo serve para mostrar que a greve não pode ser um direito dos grevistas independentemente das formas de luta que utilizem e do seu impacto sobre o conjunto da população.

3) Se a greve é um direito, o lock-out também é? Claro que não. Ninguém defenderia isso. Pois, como se vê pelos números, a atual greve de caminhoneiros tem um pouco de greve e um pouco de lock-out. É preciso, pois, uma análise concreta dos fatos.

4) É indiscutível que a política de preços de combustíveis do governo Michel Temer é absurda e estrangula tanto caminhoneiros autônomos, como empresas que contratam mão de obra para esse serviço. Ela só se serve aos lucros dos acionistas. Deve ser combatida duramente.

5) A tradição de alinhamento político dos caminhoneiros, no mundo inteiro, é com a direita, o que me faz não ter simpatia pelos seus movimentos. Eu estava no Chile quando da derrubada de Allende. Os caminhoneiros (financiados pela CIA, depois se soube) foram decisivos para criar as condições para o golpe. Um país estreito e cujo abastecimento era feito praticamente todo pela Carretera Central, que corta o país de Norte a Sul, é extremamente vulnerável ao bloqueio de estradas. Foi o que aconteceu lá. 

Chegou-se a um ponto em que o desabastecimento era geral. Não seria o caso de o governo Allende ter usado a força, uma vez esgotadas as negociações? É evidente que sim. Mas isso não foi feito, em parte por falta de Allende do controle dos órgãos policiais e militares, seja pelo constrangimento em se reprimir uma greve, como se o direito de greve fosse absoluto. 

O bloqueio de estradas acabou durando meses. Chegou a um pouco que as pessoas comuns queriam viver em paz. e quem oferecia esta perspectiva eram os militares golpistas.


6) Isto posto, e voltando ao Brasil, penso que devemos responsabilizar o governo Michel Temer e sua política de preços de combustíveis por essa crise (basta ver o quanto subiu o preço do botijão de gás, prejudicando o conjunto da população pobre, que tem menos capacidade de pressão que os caminhoneiros). 

Mais, devemos também aproveitar para questionar o conjunto da política do governo em relação à Petrobras. O que implica que o preço dos combustíveis não pode ficar ao sabor do mercado. Mas fico por aí. 

Sou gato escaldado para que considere os caminhoneiros "companheiros" e parta para apoiar seus movimentos sem um milhão de cautelas.”

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