“A Turma do Ouriço” – A história do bloco carnavalesco Unidos do Uriçú

Mais do que um grandioso bloco carnavalesco, o Uriçú foi um movimento cultural rebelde, libertador e contestador




Por Adilson Figueiredo – Adaptação do artigo “A Turma do Ouriço” veiculada no Blog do jornal O Norte Fluminense

"Era assim como gostávamos de sermos chamados, um grupo de jovens bom-jesuenses e outros paulistas, cariocas e niteroienses, que em torno dos Anos 70, passávamos as nossas férias de verão e meio de ano em Bom Jesus do Itabapoana e Bom Jesus do Norte. Era uma farra danada no “morro do trepa” e nos degraus do busto de Padre Mello na Praça Governador Portela.  O morro do trepa era a calçada da casa do Seu Pedro Gonçalves.

Este grupo resolveu então criar um bloco para brincarmos o carnaval no ano de 1968/69. Escolhemos o nome como Bloco do Uriçú, uma corruptela de Turma do Ouriço. Com o tema “ Macumba”, estreamos como bloco, o que para os padrões da época não era uma coisa vista, concorreríamos com o então famoso Bloco Barra Pesada, que nos anos anteriores tinha como rival o Bloco Pedrês, de uma geração acima de nossa faixa etária.

Anos difíceis da ditadura militar em que os comportamentos sociais eram muito questionados e nós éramos jovens estudantes secundaristas e universitários e de famílias tradicionais da cidade. Entramos no Aero Clube de Bom Jesus com fantasia improvisadas, bermudas brancas, colares, chapéu de palha e tamancos de madeira, tipo português. Ainda não tínhamos uma bateria. Resolvemos, então, entrar cantado a música Marinheiro Só, na época gravada e cantada por Maria Bethânia.

Assim, fizemos uma grande roda no salão do clube, o grupo marcando a música com palmas e como destaques Maria José (uma carioca de Engenho de Dentro) apelidada por nós de “ Marião”, Leninha (uma carioca da Penha) e Adilson Figueiredo, todos vestidos de Filhas e Filho de Santos, com incenso sendo espalhado pelo salão – muita, muita fumaça !!! Na verdade, era defumador dos brabos. O grupo não ganhou o primeiro lugar, mas um troféu de Honra ao Mérito pela participação.

Assim foi a estreia do Bloco Carnavalesco Unidos do Uriçú. Já no ano seguinte o grupo se organizou mais, novos amigos novas pessoas novos visitantes, um mar de alegria se espalhou, conseguimos então organizar um “Livro de Ouro” para conseguirmos fundos para comprar alguns instrumentos e conseguirmos formar uma bateria. Este Livro de Ouro ficou a cargo de Odete Batista, a Detinha, que muito correu pelo comércio de Bom Jesus pedindo assinaturas às pessoas.

Com o dinheiro arrecadado conseguimos comprar alguns instrumentos e completamos a banda com o empréstimo, através do Sr. Luciano Bastos, Diretor do Colégio Rio Branco, uns tambores para a festa ficar completa. Neste ano já tínhamos até o Mestre de Bateria, o nosso saudoso, Antônio Moysés, o Pelé, que ensinou muita gente a tocar e ensaiávamos na quadra do Colégio Coronel Antônio Honório e, às vezes, nas ruas da Pracinha Astolfo Lobo.

Tivemos que nos registrar na delegacia e tirar o alvará temporário, e, para isso, nos reunimos e votamos em uma eleição da primeira diretoria do bloco, que foi composta por Adilson Figueiredo (Presidente), Reinaldo José da Sila Filho (Secretário) e Wandyck Lorett do Carmo (Tesoureiro). Concedido o documento, com isto estávamos autorizados a desfilar pelas ruas de Bom Jesus.

Desta vez, o enredo foi sobre o filme Cabaret, película de grande sucesso na época, com Liza Minelli. A Escola de Samba Unidos do Uriçú se apresentou pelas ruas de Bom Jesus de forma magistral, com o mestre–sala Adilson Figueiredo, tendo Detinha como porta-bandeira. WandyckLoretti brilhava, dançando e percorrendo   por todos espaços da escola numa frenética evolução, num misto de baliza de bandas e destaque.  

As alas femininas eram com um figurino de “meninas da vida” com melindrosas, chapéu coco, cinta liga e piteiras. Participavam destas alas, as irmãs Navarro, Clara, Rita e Inezinha, as irmãs Capita, Socorrinho, Ida Correia a Pelezinha, Beth Ribeiro, Rita Tanclides, Inês Cavicchini, Laura Dutra, vindo de Niterói, Beth Seródio, Cristina Magaldi e Neuzinha Naciff, mais Maria José Bomeny, do Rio de Janeiro, Maria José, a Marião Dandão e Leninha. 

Os rapazes da bateria vinham vestidos de fraque, gravatinha borboletas e cartolas. Eram eles o mestre de bateria, o Pelé, vindos de Sampa o Cuca, o Duda e o Zeca. De Niterói vieram o Rubinho Nasciff e muito outros; Havia ainda uma ala masculina com Corintho Rodrigues, Betinho Navarro, José Antônio Borges e Sérvio Túlio, carinhosamente por nós batizada de “as Mirins”.

Os figurinos de ala e da bateria foram desenhados por Adilson Figueiredo. A Escola de Samba Unidos do Uriçú encerrava seu desfile com um belo carro alegórico, que figurava um dancing, com destaque para Neyla Lorett e o Carlos, de Petrópolis, mas a grande estrela do carro alegórico, representando Liza, era  nossa amiga Vininha Falcão, uma estudante de teatro da UNIRIO que, junto do namorado  José Augusto,  o Curuca, o cunhado Carlos Alberto, ambos estudantes de arquitetura da UFRJ,  nossos  amigos de universidade, vieram de Lage do Muriaé.                                      
                                                                                         
 A Escola de Samba Unidos do Uriçú ainda abrilhantaria mais uma vez no ano seguinte, com o enredo, “Fantástico mundo das Cores”. O carnaval de Bom Jesus, quando já entra em cena, passa a contar também o com o artista Rogério Figueiredo que passou a estudar na Escola de Belas Artes da UFRJ, que no mesmo ano, junto com Adilson Figueiredo, assinaram a decoração do Aero Clube, que seguia a mesma temática do enredo do Uriçú. Desta vez se juntou a nós outro grande artista de Macaé, o amigo nosso Peron Frongillo, que desfilou como destaque junto com Reinaldinho e Michelly, além de Cidinha, todos de São Paulo.

Este ano o grande destaque foi para Silvia, amiga, artista da Escola de Belas Artes e cantora que puxou o samba-enredo. Esses anos de carnavais em Bom Jesus serviram para nós como um grande aprendizado e experiência. Muitos desses jovens vieram a se profissionalizar nas áreas das Artes e na excelência do convívio e amizade que resguardamos até hoje.



Eu escrevi este texto em homenagem aqueles que nasceram com a gente no carnaval de Bom Jesus, como dizíamos na época “bicha não nasce, estreia” e “bicha não morre, vira purpurina”, o primeiro a virar purpurina foi o Reinaldinho, depois virou purpurina o Rogerio Figueiredo, depois foi a vez do Dyck Lorett virar purpurina, seguido o Betinho e Raul Megre a virarem purpurina. Vininha também virou purpurina, e recentemente. O Jacintho virou purpurina e hoje eles dançam e são purpurina em nossos corações.”
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O bloco carnavalesco Unidos do Uriçú seguiu grandioso e encantando a todos nos carnavais das décadas de 70 e 80, sendo que ele ficou alguns anos sem desfilar na segunda metade da década de 70, retornando no início dos anos 80 com a denominação “Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Uriçú”, onde tivemos os desfiles memoráveis de 1984 com o samba enredo “Eh trem bom!”, e em 1985 com o antológico samba enredo “Bombozuca meu amor”, que você assiste no vídeo abaixo.

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