A Constituição de 88
passou o Brasil a limpo, dotando o país de mecanismos legais que, neste quase
quarto de século, asseguraram a transição sem grandes traumas de um regime de
exceção para a democracia plena. E não só: a Carta que hoje insere a nação entre
aquelas que garantem a seus cidadãos a normalidade de um estado democrático,
também tem dado o anteparo legal para corrigir injustiças sociais e superar
crônicas demandas institucionais.
Seu
corpo consolida uma ordem política em consonância com as mais avançadas
democracias do mundo. Mas, infelizmente, esse arcabouço, por si só, não alcança
desafios advindos de décadas e décadas de desvios institucionais, culturais,
comportamentais e políticos enraizados na sociedade. Ainda há muito o que fazer
para aprimorar o desenvolvimento social e moral do país, principalmente no que
tange ao comportamento do homem público.
É
por esse viés que se deve receber a contribuição de dois dispositivos
recentemente incorporados à legislação eleitoral - a Lei Complementar 135/10,
conhecida como Lei da Ficha Limpa, e a Resolução 23.376, do Tribunal Superior
Eleitoral, que visa a impedir a participação em pleitos eleitorais de
candidatos cujas contas de campanha tenham sido rejeitadas. São instrumentos -
que alcançam especificidades que não caberia contemplar na Carta - cruciais
para a Justiça eleitoral obstar a unção, pelo juízo maior da vontade popular,
de pessoas que notoriamente buscam a inviolabilidade de mandatos eletivos para
exercê-los em atendimento a interesses pessoais, portanto contra o espírito da
democracia representativa.
A Lei da Ficha Limpa é mais abrangente - e inquestionável, por decorrer da
vontade popular graças a inédita mobilização da sociedade que resultou na
aprovação desse diploma pelo Congresso. A crônica dos processos eleitorais em
todo o país sempre registrou indesejáveis episódios de vícios e distorções, não
por defeito do princípio do sufrágio universal, cláusula pétrea da democracia,
mas por maus usos de mandatos e de abusos eleitorais que maculam a desejada
transparência com a qual os candidatos devem se apresentar ao eleitorado. Tais
episódios, sempre repudiados, mas operados em desvãos da legislação, não terão
passado despercebidos pelos tribunais. Mas, obrigados a dar provimento a
candidaturas que afrontavam o respeito ao eleitorado, juízes pouco podiam
fazer.
É
em resguardo dessa nova realidade, em que se pode barrar no nascedouro
evidentes afrontas ao espírito democrático das eleições, que se deve saudar
esse filtro agora incorporado ao conjunto de normas que regem os processos
eleitorais. Já a resolução que atinge os chamados contas-sujas ainda é objeto
de discussões. E é correto que o seja, para depurá-la de eventuais excessos (se
os tiver) e introduzi-la em definitivo no conjunto de regras eleitorais, como
mais uma contribuição aos nossos magistrados para que julguem, com o rigor da
lei, a prestação de contas de candidatos que, por princípio do sistema de
representação, têm o dever de zelar pela moralidade pública.
_____________________________________________________________________________________
Desembargadora Letícia Sardas - Presidente do TRE-RJ
Comentários
Postar um comentário